quinta-feira, 3 de abril de 2014

POR QUE TANTA GENTE ODEIA O MARCO CIVIL DA INTERNET?

Empresas como Facebook e Google, entidades que defendem interesses civis como Idec e Procon, provedores de conteúdo e uma série de personalidades com histórico de luta pelos direitos dos internautas são a favor do Marco Civil da Internet – nomes como o filósofo Pierre Lévy e o criador da web, Tim Berners-Lee. Ainda assim, sempre que se fala sobre o projeto, o que não falta são críticas.
A discussão sobre o Marco Civil não ficou polarizada entre quem é pró e contra, criou-se também uma terceira categoria: a dos desconfiados, que acabam pendendo para o lado de quem não quer que nasça uma “Constituição” para a internet brasileira.
Para a advogada Veridiana Alimonti, do Idec, três questões importantes devem ser levadas em conta para entender por que parece haver tanta gente que odeia o projeto, e a primeira passa pela identificação de QUEM SERÁ CONTRARIADO com a aprovação do Marco Civil. Os principais prejudicados com o texto atual são empresas de telecom, que por causa da neutralidade da rede terão menos possibilidades de lucro, pois não poderão vender pacotes de internet de acordo com o uso: a rede terá de ser tratada de forma igualitária.
“O que foi aprovado atrapalha modelos de negócios que elas esperavam por em prática”, explica a advogada, para quem houve uma guerra de informações por trás do Marco Civil. Enquanto setores da sociedade comemoravam a aprovação, outros resmungaram que o projeto será a porta de entrada para a censura – ideia estimulada pelo mercado.
“Essa compreensão de que leis tiram a liberdade ignora a quantidade de leis que garantem direitos que não existiriam”, ressalta Veridiana, lembrando o Código de Defesa do Consumidor, sem o qual o mercado seria responsável por avaliar suas próprias práticas. “A compreensão de que não regulação garante a liberdade é muito problemática.”
A segunda questão é a LINGUAGEM TÉCNICO-JURÍDICA usada para descrever o projeto que cria o Marco Civil. Como qualquer texto legislativo, o do PL 2.126/2011 é composto praticamente em outro idioma, nem todo mundo consegue entender o que está escrito ali. Há referências a leis já aprovadas e outras que ainda nem existem, embaralhando mais a leitura.
“É um texto com questões técnicas que muitas pessoas não compreendem e está ligado à ordem jurídica brasileira, então às vezes faz referência a outros procedimentos que já existem em legislações aprovadas”, complementa a advogada. “É um diploma jurídico bem complexo.”
Além do “juridiquês”, por se tratar de um assunto com cultura tão própria, o Marco Civil também tem de lidar com questões técnicas, usando termos como “terminal”, “sistema autônomo”, “IP”, “aplicações” etc. Mais uma vez, coisas que são entendidas por um grupo específico, não toda a população. Essa falta de compreensão afasta o brasileiro, em geral, que prefere confiar na palavra de quem leu o projeto para formar uma opinião e, ao fazer isso, acaba assumindo a ideia de outra pessoa.
Por fim, há quem realmente não esteja à vontade com o texto e DISCORDE conscientemente do que foi aprovado. Até entidades que defenderam a criação dessa “Constituição” acabaram torcendo o nariz na reta final em decorrência de mudanças ocorridas no meio do caminho. O próprio Idec, assim como o Partido Pirata, demonstraram preocupação com alguns trechos alterados.
Um dos principais desagravos está na guarda de registros de aplicações, que na primeira versão do projeto era facultativa. No texto final, ficou acertado que os registros devem ser segurados por seis meses, mesmo que não haja uma investigação que necessite das informações.
Na opinião do Idec, isso compromete startups, que terão mais custos para se lançar no mercado, e aplicações que não dependam dessa guarda mas terão de fazê-la. Um aplicativo de táxis, por exemplo, que não precisa armazenar informações sobre as corridas dos usuários, será obrigado.
Apesar das ressalvas, dezenas de entidades e personalidades mantêm apoio ao Marco Civil porque o consideram um passo de proteção à internet brasileira. “Sem dúvida não é o texto ideal, mas foi comemorado por muitas entidades, inclusive o Idec. Algumas alterações em relação ao texto inicial foram positivas”, diz Veridiana.
PARA ENTENDER
O projeto está agora nas mãos do Senado, que não tem prazo para avaliá-lo. Quando o fizer, pode apresentar alterações, fazendo o texto voltar para a Câmara. A Casa, então, decide entre acatar as sugestões do Senado ou ignorá-las e mandar o projeto para a Presidência com o texto original. É o presidente que dá o aval para fazer valer a lei.
Olhar Digital – UOL

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