Por Rubens Lemos Filho, em sua coluna no Jornal de Hoje do último dia 06
A figura frágil magnetizava quem tivesse o mínimo de sensibilidade. Baixinho, magro e falante, dominava qualquer ambiente em que chegava e era a primeira vez que o jovem repórter o via. Implacável verão em 1993 e o religioso de ombros arqueados e frases rebeldes reunia um pequeno grupo de políticos em São Paulo do Potengi para falar sobre seca.
A seca em 1993 foi impiedosa. Lembro-me do açude da fazenda do meu sogro, nos Ingás, no Encanto, barrento, lamaçal e animais mortos. Matar a sede e tomar banho, só com garantias permitidas por um surrado poço tubular que servia aos familiares e aos moradores próximos que traziam galões na cabeça para carregar água.
Um cenário que não sensibilizava os homens públicos há décadas. Eles apareciam no interior de dois em dois anos, em carros bonitos, desciam, eram recebidos com jantares que custavam dois meses de salário do pobre anfitrião, falavam em comícios, soltavam promessas carimbadas e retornavam para Natal, alguns sem sujar a roupa de linho.
Em 1993, o religioso de São Paulo do Potengi decidiu chamar o rebanho eleito aos carretéis. Lá fui eu, o repórter, de ressaca, para o clube de São Paulo do Potengi. Lembro bem do então senador Garibaldi Alves Filho e do deputado estadual Elias Fernandes. Dos dois, me recordo. O Governo do Estado mandou representante.
A figura miúda emocionava com sua mudança de tonalidade que unia ternura e revolta como um pastor de miseráveis sem crença que não fosse a Bíblia como anestésico espiritual. O Monsenhor Expedito Medeiros cobrava soluções e dizia que havia gente morrendo de sede, a procissão de famintos aumentava com o gado dizimado, a bacia leiteira acabava.
O Monsenhor Expedito Medeiros falava exemplificando: “Fui esta semana a casa de comadre Maria e o filho dela bebia água amarela. Bebia água coisa nenhuma. Bebia barro molhado. E se fosse um filho dos senhores?” O Monsenhor Expedito Medeiros recitava a homilia da dor.
>>>
O Monsenhor ia e vinha, devagar de propósito, mergulhava nos grotões das agruras sertanejas, percorria com as palavras os caminhos áridos dos homens do campo sem colheita nem sementes para o plantio, brandia sua espada de revolta ante à indiferença dos poderosos.
O Monsenhor Expedito falou uma hora, uma hora e meia e as autoridades começavam a se impacientar. Um dos integrantes da mesa, se abanando com uma folha de papel, chamou um funcionário da diocese e pediu que trouxesse água gelada para os convidados.
O rapaz levou um sonoro carão do Monsenhor: “Aqui ninguém bebe água. Os senhores estão passando pelo que o povo do sertão passa o ano inteiro. Que fiquem com sede, para que brote no coração de vocês a sensibilidade e a solidariedade para com os seus irmãos.”
Os políticos caíram num constrangimento funeral. O apóstolo continuou sua pregação e o seu gesto de fazer com que provassem na pele ou na garganta o sacrifício da maioria, me pareceu o ponto de partida para o famoso Programa de Adutoras, iniciado no Governo de Garibaldi Alves Filho seguindo o Plano de Recursos Hídricos criado pelo também sedento daquele sábado, o deputado Elias Fernandes.
Passados 19 anos, Monsenhor Expedito Medeiros morreu e as adutoras não foram suficientes para resolver o caos dos efeitos da estiagem, fenômeno natural. Mas melhoraram muita coisa. A seca de agora é grave. O gado morre, o açude murcha, o matuto reza por chuva, não se perfura um poço, nem se constrói uma cisterna, um açude. Em Luiz Gomes, faz um ano que o povo sofre sem um pingo saindo das torneiras.
Saudades do Monsenhor Expedito Medeiros. Perdi a fé em orações, mas seria bom que ele voltasse, em forma de gente ou de visagem doce e atrevida, para berrar bem forte contra a arrogância e a insensibilidade, dos que acompanham em gabinetes de carpete e ar condicionado, o martírio de quem só serve para lhes dar o voto.
Fonte: Blog do Silvério
Nenhum comentário:
Postar um comentário